Entrevista com Paula Meira, diretora executiva da Interne Soluções em Saúde: “As mulheres precisamos de uma curva de aprendizado e os homens precisam dar-nos um espaço”

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Segundo a investigação da Organização Mundial da Saúde (OMS), as mulheres compreendem 70% da força laboral na saúde, mas somente possuem 25% de papéis de senioridade. No caso da Paula Meira, fundadora e diretora executiva da Interne Soluções em Saúde, ela é a única mulher do Brasil que é dona de uma empresa de home care. Muito disso o atribui ao fato de poder dedicar plenamente ao seu trabalho, por ser solteira e com uma filha que vive fora do país.

“Vemos que as mulheres estão profissionalmente em cargos médios e recentemente estão chegando às presidências e diretorias como CEO. A mulher tem capacidade incrível, mas tem que abrir mão de muitas coisas”, disse Meira. “Por exemplo, eu sou empresária há 26 anos, e nunca vi um homem pedir para ir à casa porque o filho estava com febre, mas a mulher pede”, agrega. 

Mas o êxito também o atribui ao seu passo como voluntária e logo como profissional em captação de recursos e doações no Hospital de Câncer do Pernambuco, fundado pela sua avó e que atende ao 85% da população num estado que ficou no primeiro lugar no ranking do Mapa da Nova Pobreza, lançado pelo instituto de educação superior Fundação Getúlio Vargas (FGV) em 2022. 

Finalmente, em 1996, a executiva fundou a Interne como franquia americana, da qual se separou em 2004. Atualmente, a empresa conta com 600 empregados e 1.500 colaboradores e principalmente fornece o serviço de home care: a orientação virtual de saúde para os pacientes no seu hogar ou a recepção de cuidados extra-hospitalares na sua própria residência, facilitando desde o recolhimento de lixo, a entrega de material, as visitas médicas de rotina e até o cuidado de urgências e emergências.

Entre outros serviços que oferece a companhia, está a logística de saúde aos hospitais, como o transporte de medicamentos, ambulâncias e remoções de pacientes inter hospitalares, o disease management para os pacientes que não precisam muitos insumos mas precisam orientações e visitas técnicas, serviços para hotéis e resorts, e até fornecimentos profissionais de saúde, como médicos, enfermeiras, psicólogos e fiosoterapeutas. 

E hoje, a companhia está pautando seu planejamento estratégico em dois pilares: humanização e tecnologia.

– Me poderia contar mais sobre a tecnologia na Interne?

– Desenvolvemos internamente um aplicativo, para que os pacientes tenham acesso à saúde na palma da mão, porque é complicado que todos tenham um iPad ou um desktop com WiFi em cada casa. 

Com um sistema de acompanhamento logístico, entrega e informações do paciente, conseguimos fornecer aos médicos de urgência todas as informações necessárias antes de chegar à casa do paciente.

Também, se normalmente fazemos uma previsão de entrega de estoque para o paciente por sete dias, pode acontecer alguma coisa que mude a condição clínica e precisamos entregar algo antes. Assim, dividimos os pedidos por complexidade e os fornecemos em toda a cidade com agilidade.

Além disso, aplicamos a internet das coisas (IoT) para controlar o oxigênio na casa das pessoas. Agora não precisamos perguntar se o paciente está usando a quantidade correta, e reduzimos muito o custo de revisão por paciente.

– Como entraria a humanização nesta equação?

– Procuramos ter colaboradores com os mesmos valores que nós temos. Um lema que temos é uma frase da enfermeira inglesa Cicely Saunders: “o sofrimento somente é intolerável quando ninguém cuida”. Então, o nosso departamento de pessoal está estruturado para selecionar pessoas com destreza, zelo e compaixão.

Como a minha estrutura pessoal e familiar veio da filantropia, apoiamos processos sociais como a Casa Zero, um projeto social que ficou incubado durante cinco anos dentro da Interne onde fornecemos tudo: aluguel, luz, limpeza, móveis, locação e mais para que os jovens da comunidade possa se desenvolver como empreendedores e apoiadores de outros projetos sociais, como Transforma Social, a própria Casa Zero e o Munda Mundo.

Também apoiamos a escola Fuctura, que é para que jovens carentes possam entrar na área da tecnologia, formando-se como programadores e desenvolvedores. 

– Gostaria de saber a parte do gênero. Segundo a OMS, as mulheres só possuem o 25% de papéis de senioridade na saúde. Como é no Brasil, quais são as razões pelo que acontece isso e como tentar mudar isso dentro da Interne?

– Na Interne, a diversidade de gênero é valorizada e refletida em sua liderança. Com uma CEO e duas diretoras mulheres, apenas um dos 14 gerentes é homem.

Embora a indústria da saúde ainda tenha uma presença majoritariamente masculina, especialmente em níveis mais altos, se deve à que nós estamos desenvolvendo no mundo laboral faz pouco tempo. Na geração da minha mãe não era comum que uma mulher trabalhasse e na minha geração mais de 50% das mulheres não trabalham. Então as mulheres ainda estão em transição e nós precisamos de uma curva de aprendizado e os homens precisam dar-nos um espaço.

E é óbvio que para uma mulher ter uma carreira sacrifica muito. Várias mulheres hoje adiam a gravidez porque querem se suceder na profissão. Se o filho está no hospital a mulher pede licença, o homem não pede, ou se o homem que está doente, a mulher acompanha, mas o homem não. 

– Essa proporção inversa que tem na Interne, em que tem mais mulheres na área de gerência, tem que ver com sua própria experiência como mulher na indústria da saúde? 

– Não considero obstáculos na minha trajetória, já que não me intimido e não me sinto bloqueada por nada. Se preciso, viajo a Brasília para conversar com senador ou deputado, e frequento ambientes sozinha sem problemas.

A integração das mulheres na Interne não foi uma escolha, mas sim uma consequência de não termos preconceitos, seja para as pessoas transgênero, homosexual, mulher, de diferentes idades e outras. Nós determinamos qual é a necessidade da empresa e abrimos as vagas.

Porém, na indústria da saúde, é natural ter mais mulheres na área média devido aos vários preconceitos de algumas pessoas. Por exemplo, minha sogra, que tem 88 anos, ainda diz “não vou operar com mulher”, ou temos na empresa uma neurologista fantástica, mas às vezes as pessoas deixam de operar com ela só porque é mulher.  

Passa o mesmo em outras empresas. Hoje os conselhos no Brasil começaram a procurar mulheres porque 90% das empresas que têm conselho de administração não tem mulheres. Em uma empresa gigante, por exemplo, há 11 conselheiros, todos homens, brancos e banqueiros. Para quê você quer esse conselho? Bastava apenas um.

Mas começamos a observar que cada vez mais existe uma consciência de que as empresas precisam diversidade, opiniões contraditórias e pessoas capazes de refletir a realidade.

– Além da organização existem reportes de muita violência de gênero no atendimento de saúde. Como você vê esta situação?

– É um problema global, que afeta especialmente as mulheres mais desassistidas. Mas o Brasil tem procurado mudar esta situação, especialmente em Pernambuco, onde a primeira governadora do Brasil assumiu o cargo com uma vice-governadora também mulher. 

Por exemplo, ela instituiu uma delegacia das mulheres para as 24 horas por dia. Antes, a delegacia só trabalhava no horário comercial, mas sabemos que as mulheres são agredidas mais à noite ou no final de semana. 

Dentro da empresa, não vemos esse tipo de violência ou preconceito contra as mulheres. O único incidente que chegou ao judiciário foi um caso inverso. Duas mulheres negras criticaram ao homem, chamamdo-o “gurugú” que é um animal que voa negro e é uma nomenclatura pejorativa.

– Quais são os objetivos da Interim atualmente, querem expandir-se?

– Nós estamos em Pernambuco e o nosso tratamento envolve entrar na casa das pessoas. As pessoas do nordeste gostam de conhecer e confiar. E isso é diferente do São Paulo, que é uma cidade maior onde você conhece menos gente. 

Então, esse negócio nosso ele pode expandir sim, mas só quando tiver uma tecnologia robusta que nos permita controlar as condições de tratamento da melhor forma e poder conversar com o paciente de forma efetiva. É importante mostrar ao paciente que nos responsabilizamos e estamos totalmente dedicados para ele, mesmo não estando fisicamente na mesma cidade.

Por enquanto, eu acredito que este ano a empresa vai estar prontamente estruturada para expandir, porque estamos construindo a condição tecnológica e valores para multiplicar-nos e chegar a outros lugares.

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